O futuro do PT e as transformações de que o Brasil precisa

As vésperas de completar 30 anos, com uma vasta experiência de administrações e lutas sociais, nosso partido necessita de uma grande avaliação sobre os oito anos do governo Lula e da construção de uma linha política e programática que o prepare para a conjuntura de 2010. Esta é a perspectiva da maioria das correntes internas do PT quando se refere ao PED e ao nosso 4º congresso. É também nossa posição.

No entanto, a esta pauta é urgente acrescentarmos uma avaliação e um balanço da vida real do nosso partido, analisando em profundidade a rotina política e o funcionamento de nossos diretórios municipais e zonais como instrumento e ferramenta necessária para nossa intervenção nas lutas sociais.

O PT tem sido uma das experiências político-partidárias mais criativas da história do país. Sua vocação transformadora e singular nasceu de um duplo movimento. Os trabalhadores organizados nos movimentos sociais ao lutar contra a ditadura perceberam que a luta pela democracia era inseparável da luta por justiça social e que a luta por justiça social o conduzia à perspectiva do socialismo democrático.

A relação do partido com os movimentos sociais e com a intelectualidade de esquerda e progressista, comprometidos com a transformação do país permitiu ao PT, ao mesmo tempo, refletir e construir idéias, programas e políticas sobre os rumos do Brasil, sobre a esquerda em nível mundial, sobre o socialismo democrático e agir em todos os campos: no legislativo, nos executivos e junto aos movimentos sociais na defesa de direitos sociais e civis. Também permitiu a solidariedade internacional à luta dos povos por sua autodeterminação.

A relação entre a produção de idéias e políticas e a luta em diversos espaços foi tão inseparável quanto possível em função da democracia interna construída no interior do PT.

Ao defender o alargamento dos espaços de participação, o aperfeiçoamento da democracia representativa, e ao lutar pela redemocratização do Brasil o PT forjou sua própria democracia interna, superando modelos que opuseram liberdades e organização partidária. Essa experiência permitiu a formulações de políticas e experiências que ajudaram a mudar o Brasil nos últimos 29 anos.

Por essa razão a vocação do PT como partido de massas esteve umbilicalmente ligada à democracia interna como meio de relação com os movimentos sociais o que tornou possível ao PT se alimentar e alimentar o processo de auto-organização dos trabalhadores (as). Nossa organização partidária foi sendo de fato "movida pelos valores que queríamos ver inscritos no mundo".

O PT cresceu. Desde sua fundação participou das 13 eleições, sendo 6 municipais e 7 eleições gerais, incluindo as 5 presidenciais. Ocupou as principais posições institucionais do estado brasileiro e ampliou a força e a capilaridade de seu projeto junto à sociedade.

Mas como um partido de massa e democrático, permeável, portanto aos processos de relação e correlação de forças entre as classes sociais, também experimenta as contradições mais gerais da sociedade.

1. Neoliberalismo e nossa organização partidária

Durante a década de 90 o mundo viveu de diferentes formas, um conjunto de transformações, a chamada globalização econômica e cultural, que recriou as formas de vida e trabalho, transformou a noção de tempo, ultrapassando e reconfigurando os limites das nações, e subordinando os povos a uma nova divisão internacional do trabalho, a mundialização dos mercados, tudo facilitado pelas novas tecnologias. Nesse mesmo período, de diferentes maneiras, o mundo sentia os efeitos da hegemonia política do neoliberalismo. Ao professar que o crescimento econômico e os padrões de acumulação dependiam da estabilidade monetária, de reformas fiscais e da diminuição dos gastos com a remuneração do trabalho e direitos sociais operou o mais que pode, à frente de diferentes governos, a redução do papel do estado e o ataque às organizações dos trabalhadores como políticas necessárias para conter gastos, manter altas taxas de desemprego como condição da super exploração do trabalho.

A edificação do mercado como valor supremo da sociedade foi acompanhado de um processo ideológico profundo de desvalorização da produção de idéias e do pensamento crítico e de ampliação do poder da mídia junto à sociedade.

O PT sofreu a influência destes problemas de época e de muitos dos vícios e deformações da vida política brasileira em função de suas experiências de poder.

Em termos práticos: nosso partido reduziu o peso de opinião dos movimentos sociais em sua vida interna, viu sua democracia interna e capacidade de elaboração e formulação política perderem força em face do peso do poder econômico e dos projetos particulares de poder. Esse quadro nos ajuda a compreender a natureza da crise que vivemos e a imperiosa necessidade de realização da reforma política no Brasil e de mudanças profundas em nossa organização interna.

O debate recente sobre a elaboração de um código de ética do PT abriu a possibilidade de realizarmos essa reflexão e adotarmos medidas que contribuam para que tenhamos um partido forte, capaz de disputar hegemonia e não apenas ocupar espaços institucionais. Não devemos permitir que o PT se transforme apenas em uma forte legenda eleitoral.

Salvo raras exceções não temos partidos no Brasil, temos grupos de interesse organizados em legendas eleitorais que de tempos em tempos se dirigem a população na busca de seu voto para legitimar praticas e projetos de poder.

Esses partidos não têm preocupação efetiva com a organização e formação política de suas bases. Estabelecem uma relação cartorial, apoiada na existência formal de seus diretórios e instâncias. Esta é uma das tradições de nossa cultura política.

O Partido dos Trabalhadores nasceu para mudar esta historia, dando vez e voz aos setores que sempre ficaram a margem da política tradicional. A distinção fundamental entre nosso partido e uma legenda eleitoral, se dá fundamentalmente pelo grau e qualidade das relações entre seus filiados, militantes e sua base social. Um projeto tão generoso como o nosso não pode se adaptar à política conservadora dos partidos no Brasil.

É preciso assegurar a força do PT como um partido democrático, que defende um projeto transformador para a sociedade brasileira, contribui para o fortalecimento da democracia e para a superação das práticas de fisiologia e clientela que ajudaram a aprofundar as desigualdades e a exclusão social.

A construção da hegemonia de nosso projeto nacional, voltado à superação das desigualdades sociais e de todas as formas de discriminação, requer, cada vez mais, um partido capaz de formular idéias, políticas e agir em todos os campos.

Estas constatações são feitas hoje por um número crescente de militantes, que buscam neste momento de debate nacional construir alternativas a tais praticas, hoje majoritárias entre nós.

Por isso, além das analises e formulações que tratam de nossas políticas estratégicas propõe-se desenvolver um amplo debate sobre nossa vida partidária.

Entendemos que as propostas para superar esse quadro situam-se em 4 direções:

2. A relação dos filiados com o partido

No ultimo PED o PT tinha cerca de 850.000 filiados, organizados em 3264 cidades, votaram no PED cerca de 326.000,sendo que em 90% das cidades votaram até 199 filiados.Hoje chegamos a 1.335.000 ,um crescimento de 57% ( 485.000 a mais ) como esta claro,nosso partido ampliou significativamente seu número de filiados, Um de nossos maiores desafios é o de que estejam organicamente vinculados, compreendam e tenham compromisso com nossas políticas, tenham disposição de participar das decisões partidárias- não estejam condicionados às mesmas práticas da política tradicional - e ainda se sintam motivados a agir na sociedade,para tanto é preciso que sejamos capazes de assegurar políticas permanentes e mobilizadoras, para qualificação de nossas instancias e enfrentar uma forte tendência ao conservadorismo organizativo que trata os filiados de forma despolitizada,relegando sua participação aos momentos de disputa interna.

O atual estatuto, reformado pela direção nacional em 2001, nos dá base para avançarmos nesta política. É preciso praticá-lo determinando que somente o filiado que contribui, de acordo com seus ganhos, tenha direito a participar e a votar na vida partidária.

3. Participação, contribuição e comunicação

Um segundo aspecto é o de estabelecer-se que somente o filiado que participa das atividades permanentes dos diretórios municipais, zonais ou núcleos de base tenha direito de votação. Para tanto, será necessário que nenhuma instância de participação de base possa ter mais do que o número de filiados que esta tenha capacidade de reunir para atividades regulares.

Somente devem se credenciar aos processos eleitorais internos os diretórios que cumprirem um calendário anual mínimo de atividades definido pelo Diretório Nacional, que precisa assegurar a participação do filiado em atividades de formação coordenadas pela Escola Nacional de Formação tão logo seu funcionamento e formato, bem como a materialização da política nacional de formação, estejam decididas pelo Diretório Nacional.

É necessário ter uma política de comunicação com o filiado, com um site intranet ao qual todos os filiados tenham acesso mediante senha, com conteúdo informativo e formativo (via escola nacional) e a produção e distribuição de um jornal nacional do PT, que deve chegar à casa de todos os filiados que participam das atividades da Escola Nacional de Formação e contribuem financeiramente com o partido. Essas são as contrapartidas iniciais que devemos organizar para reverter o quadro atual de despolitização e distanciamento de nossas bases sociais, e o fortalecimento de nosso partido como organizador da classe trabalhadora.

Como afirmamos a participação dos novos filiados e militantes do PT é imprescindível para que nossa democracia interna seja fortalecida. É fundamental para que o PT não substitua ou submeta o projeto nacional e os projetos regionais por interesse individuais. Os diretórios e zonais do PT, além de discutirem e formularem política podem e devem incentivar a ação de seus militantes que deve ir muito além da participação em eleições externas e internas. Trata-se de ampliar a ação cidadã no Brasil e a força dos movimentos sociais.

Para tanto, como já definido em resoluções do PT, é preciso que os diretórios municipais e zonais voltem a ser ou se constituam em espaços de contato com a produção política e cultural, de troca de experiências e integração, portanto não devem ser só espaços de disputas, mas de construção política.

É preciso assegurar mecanismos e dinâmicas que protejam o partido e que impeçam que interesses econômicos e políticos alheios a ele possam adquirir poder em seu interior. É preciso, cada vez mais, fortalecer a democracia interna a partir de todo o aprendizado que nossa historia vitoriosa nos tem proporcionado.

4. A Formação Política

A criação da Escola Nacional de Formação Política representa um passo muito importante para afirmação dos compromissos dos filiados do PT com o partido, de qualificação de nossos militantes e de nossa prática política em seu conjunto.

Em processo ainda de definições no âmbito da Direção Nacional, a Escola representará um importante impulso à participação política de nossos militantes e à produção e sistematização de idéias. A Escola tem como objetivo permanente formar sujeitos capazes de compreender a proposta partidária, formular políticas e agir seja nos espaços institucionais seja junto aos movimentos sociais da sociedade.

A Escola impulsionará atividades de formação para filiados e militantes de base, para dirigentes das instâncias partidárias e promoverá a integração e a formação de parlamentares, gestores e militantes dos setoriais e secretarias nacionais. Deverá ainda, tendo como base uma metodologia baseada na pluralidade de idéias, fazer do debate da dúvida e da polêmica uma estratégia sempre presente em suas atividades seja por meio da formação presencial ou à distância.

A Escola deverá ainda organizar, em parceria com as Secretarias de Formação nos estados e municípios, a cada ano 6 (seis) sessões de discussão política de natureza formativa em todos os Diretórios Municipais do país.

5. A formulação de idéias, de políticas e o aperfeiçoamento de nosso projeto nacional

Como apontamos a ideologia neoliberal deixou marcas profundas nas sociedades na medida em que promoveu a fragmentação da informação e das idéias como forma de impedir a produção e a difusão do pensamento crítico, no caso particularmente sobre as conseqüências nefastas das políticas neoliberais para os povos. Essa condição reforçou a tendência da sociedade brasileira, tão arraigada quanto elitista, de que o trabalho intelectual, a reflexão e suas condições de produção não devem estar à disposição dos trabalhadores e, ainda menos, com eles comprometidos.O PT não esteve imune a esse ambiente que também desfavoreceu a produção intelectual da esquerda em escala mundial.

Por outro lado à dificuldade de formulação e elaboração política esteve associada a esse quadro de esvaziamento das instâncias e enfraquecimento da democracia interna o que dificultou em grande medida a socialização da produção política realizada pelo PT, sua realimentação e, ainda mais, o interesse por ela. Por outro lado, as transformações que estão ocorrendo em nosso país que traduzem concepções e políticas em todas as áreas e, sobretudo, no que se refere à relação entre o papel do estado no desenvolvimento econômico e social são em muitos aspectos e, especialmente em seu sentido geral, coerentes com o patrimônio político que nosso partido acumulou nesses anos.

A experiência de governo e a concretização de nosso projeto lançam inúmeros desafios, hoje tanto maiores em função das proporções da crise e da derrocada dos fundamentos do neoliberalismo.

É preciso que retomemos nossa tradição de formulação política para oferecer ao país uma dimensão ainda mais ampla de transformações em 2010.

Para tanto nosso diálogo com os movimentos sociais e com os intelectuais de esquerda e progressistas deve ser intensificado, mas também com os filiados e militantes do partido para que novas sínteses políticas sejam produzidas

Uma dimensão importante de nosso projeto que requer compreensão e elaboração é a das relações internacionais e da integração latino-americana. Nossa reflexão e políticas a esse respeito interessam aos partidos e organizações de esquerda e progressistas.

A Fundação Perseu Abramo pode contribuir muito nesse sentido, mas as instâncias, os dirigentes, governantes e parlamentares do PT podem e devem se apropriar da produção e, mais que tudo ajudar a construí-la.

Nenhum comentário:

Postar um comentário